terça-feira, setembro 05, 2006

voxpop, #1.

(N)S/(N)R
Pedro Gomes


Avanço hoje com uma das novas rubricas do "projecto de documentação". Quer dizer, não sou eu que avanço, mas o Pedro, um dos mais interessantes "espectadores potenciais" da trilogia, categoria para-sociológica que confisquei para os meus estudos vou a tua cas'ianos e que significa qualquer coisa como: não viu, mas podia ter visto. O que, no contexto desta trilogia, é igual a dizer que viu tudo do princípio ao fim. Tentarei voltar a este assunto noutra ocasião; para já, fico-me pelas palavras do Pedro, suficientemente reveladoras daquilo que quero dizer:


1.
Provavelmente, numa tentativa de justificar perante mim mesmo o facto de estudar Geografia, tenho uma certa obsessão em mostrar às pessoas o quão subestimado é o olhar de um geógrafo. E se calhar por isso mesmo, a partir do momento em que o Rogério apresenta a trilogia como uma "narrativa urbana", o meu interesse desperta: "olha, Rogério, acho que sem te dares conta, estás a fazer Geografia". É certo que qualquer pessoa diria que o Rogério não é o primeiro a propor uma espacialização do conteúdo de um objecto artístico, basta pensar no conceito de site-specific.

2.
Se o Rogério não é o único a colocar a dimensão espacial em primeiro plano, então por que é que acompanho tanto o Vou A Tua Casa? Em primeiro lugar, é fácil de acompanhar — está tudo ali escarrapachado no blog, e ainda aparecem umas coisas de vez em quando no livejournal. Depois entra a minha própria narrativa: cruzo-me com o Rogério há coisa de quatro anos atrás, em lados opostos de uma mesa n'A Outra Face da Lua — segredam-me ao ouvido que ele é actor e eu registo a informação, em modo teenager (categoria: "artistas que conheço"). Nunca mais oiço falar dele. Uns dois anos depois, a descer a Avenida rumo à Cinemateca, diz-me a Margarida, que também lá tinha estado: "Lembras-te daquele Rogério, amigo do John? O Dioguinho foi ao espectáculo dele e ouviram discman juntos e trocaram papelinhos". Engraçado, não se falou mais nisso. Não sei quanto tempo depois, relato parte disto num comentário no livejournal do Zé Luís Neves, a respeito dum post que continha uma das fotos promocionais do No Caminho. A partir daí, começa o muito esporádico contacto directo (quer dizer, por internet) com o Rogério. Intensificação do fenómeno há uns meses atrás, estava eu na Holanda em Erasmus. Conversa-se sobre a minha emigração e os planos relativos à dele; fala-se de música má (e ele mostra-me muita coisa). De música boa, também. Timidamente, lá começámos a falar do trabalho dele. Começo a seguir religiosamente o blog nos momentos mortos da vida, em modo Erasmus. E eis que o Rogério dá a entender, volta e meia, que me começa a levar a sério. E eu penso: porquê? E começo eu a levar-me a sério.

3.
Quero com isto dizer que o interesse pelo Rogério-Rogério precede o interesse pelo Rogério-autor. Não é necessariamente mau; por um lado, o Rogério fala de uma indissociabilidade entre vida e arte, entre a sua vida e os objectos que cria, e quer que acreditemos que o Rogério-autor é o Rogério-Rogério. Assim, com alguma imaginação, pode-se dizer que as nossas conversas só não pertencem a uma dimensão performática porque no princípio nenhum dos dois disse: "Ei, estamos em performance!" (foi disto que falámos, da arte enquanto substantivo, entre outras coisas, numa conversa para um portfolio que fiz para a faculdade). Por outro lado, fazendo teatro amador há uns seis anos, a maior parte dos espectadores daquilo que faço são das minhas relações e dos meus colegas — acaba por ser uma forma de marketing como outra qualquer.

©Margarida Mendes [amiga]


4.
Ainda nesta do "eu e o Rogério": justifico o meu interesse inicial pelo trabalho do Rogério por este ser precedido de encontros completamente alheios ao mesmo; então porque é que há coisa de duas semanas, quando fui ter com uns amigos ao Bairro e lá estava o Rogério no meio deles, morri de vergonha por (re)conhecê-lo pessoalmente quatro anos depois? É quase como se, inconscientemente, assumisse que os nossos "encontros" na esfera virtual tinham uma dimensão performática que este encontro no "real" vinha matar.

5.
Deixemos então esta lengalenga do "eu, tu e toda a gente que conhecemos" e coloque-se o rabo na boca da pescadinha, para acabar: disse no primeiro ponto que gosto do trabalho do Rogério porque ele é altamente espacializado; assume que tanto o autor como o espectador têm geografias individuais e é dentro desses espaços que se move. Mas esta site-specificity é relativamente contestável (e aposto que o Rogério me vai dizer: "Olha que eu nunca disse que o meu trabalho era site-specific!"; e eu respondo: "Está bem, mas eu tenho o direito de ver no teu trabalho aquilo que quero e aquilo que faz sentido para mim"). Pelo que percebi, o Lado C não se passa propriamente na casa do Rogério, mas numa casa em modo estaleiro (embora um estaleiro muito arrumadinho e habitável), algures entre aquilo que a casa do Rogério era e aquilo que ele quer que seja; vou ser lírico-chic e dizer que isso soa mais a life-specific que a site-specific. Mais: o Lado C vai agora aparecer em modo itinerante, em casas que não são de todo do Rogério e em sítios que não o enjoam tanto como Lisboa. Ele diz, e bem, que são contingências de se ser artista. Eu não me importo muito, acho que se percebe que a montanha tenha que ir ter com Maomé uma vez por outra; mata-se é toda a minha idealização do Lado C como exemplo de algo site-specific.

6.
Em jeito de post scriptum, convém frisar que nunca vi nenhum espectáculo do Rogério (roubando outro título, desta vez de um livro: isto sou eu a "falar disso sem saber o que isso é"). Perdoem-me portanto todas as ideias pré-concebidas que o foram mal. E pronto, acho que é isto.


Pedro Gomes (Lisboa, 1986). Estudante universitário e livreiro.
Lisboa, 29 de Agosto de 2006

©Pedro Gomes [jantar temático espanhol, na Holanda]