domingo, agosto 13, 2006

press.

ROGÉRIO
por Mónica Guerreiro


Agenda LX, Outubro 2005


Venham a minha casa!, diz o jovem autor e performer que vive na capital há nove anos e conhece mais do seu interior do que a maioria dos aqui nascidos e criados. À boleia do espectáculo por si concebido, Vou A Tua Casa, visitou muitos domicílios particulares e deixou perceber a sua leitura de Lisboa: sensível, perturbadora e intensa, porque dentro das casas se sente a vibração da cidade.

Esta casa em que mora agora, para a qual convida os espectadores da terceira versão do projecto Vou A Tua Casa, é já a décima que habita. Mas Rogério Nuno Costa conhece muitas mais casas do que aquelas que constituem a sua diáspora privada — que começou em Amares, e tem última paragem (para já) na Rua Amadeo de Souza Cardoso, em Alcântara ("Eu escrevo assim, como ele escrevia, e não como vem nas placas, Amadeu de Sousa."). Porque, na primeira fase de uma ideia que depois veio a crescer e se tornou trilogia, o espectáculo acontecia na casa de cada espectador que o queria ver. Agora, o projecto virou-se do avesso e é o Rogério quem abre as portas da sua casa. Concede ao espectador a possibilidade de, com alguma ajuda e muita disponibilidade, construir teatralmente uma situação de que ambos são cúmplices. A casa — a sua arquitectura, a sua respiração, os objectos privados que lá se encontram — é a inspiração primeira. Entre a primeira fase e esta, existiu outra, chamada No Caminho: um encontro "casual" marcado num espaço da cidade, à escolha do espectador. Para uma redescoberta do que se passa cá fora. Veio parar a Lisboa, diz, por quase nada: alimentava o desejo de cursar Comunicação Social e, em Braga, era exigida uma disciplina específica que não tinha feito. "Meti na cabeça que para ser jornalista o que era preciso era falar muitas línguas: fiz as línguas todas, não fiz filosofia." O Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas foi a alternativa, em Outubro de 1996. E depois surgiu o teatro, logo no grupo da faculdade, com João Cabral. "O meu primeiro projecto semi-profissional foi com a irmã do João, a Rosa Coutinho Cabral. E nos últimos meses do curso fiz uma audição e comecei a trabalhar com a Lúcia Sigalho." Tornou-se um caso sério, o teatro. Outras colaborações se seguiram até que, um ano depois, se aventurou na estrada sozinho.

"Quase todas aquelas experiências me deixaram insatisfeito, não pelas pessoas ou pelo trabalho em si, mas por haver uma parte de mim que dizia 'Isto que estás a fazer não é teu'." Faltava contudo a formação académica (e prática) na área artística. "Vim sempre parar às coisas um bocado aos tropeções, por arrasto, sem ser propriamente uma decisão. E tive de ir aprendendo como se faz. Como se monta um espectáculo, como se produz, como se promove, como se dirige pessoas, como se dá ordens a uma equipa técnica que está à espera que o faças...". Daí ao projecto Vou A Tua Casa, de sua autoria, foi um pulinho. Em Lisboa, Torres Vedras e Londres, onde já o apresentou, esteve em mais de 40 casas particulares, em tantas sessões de um projecto cujo embrião foi, "sem dúvida, a minha reacção física a esta cidade, as sensações que Lisboa me provoca. As coincidências que me trouxeram até cá, e que fizeram com que tivesse ficado. Isso tornou-se o meu objecto de estudo. O Vou A Tua Casa diz muito sobre a maneira como eu estou nesta cidade, como a vejo. Aí começa a minha fuga para o interior dos edifícios". E a investigação estava só a começar. "Mas o projecto também diz muito sobre a maneira como os lisboetas vêem espectáculos". Conta exemplos de espectadores que "vestem a roupa de 'ir ao teatro', afastam os móveis e limpam a casa de propósito, encenam a sua casa de maneira a transformá-la num teatro: na maioria das vezes, não encontrei pessoas no seu quotidiano, mas sim um quotidiano encenado para receber um espectáculo". Em Londres, por exemplo, sentiu diferenças: "Não houve uma pré-concepção daquilo que ia acontecer, recebiam-me como um convidado como os outros. Até me ofereciam algo para tomar". Agora, quando vamos à casa dele, há chá e bolinhos. Para marcar um espectáculo (até ao fim do ano), visite-se o bloco de notas virtual que mantém em: www.vouatuacasa.blogspot.com