domingo, março 11, 2007

press release.

VOU A TUA CASA
Isto não é teatro ao domicílio!


por Vera Moutinho


Uma casa em Torres Vedras, Lisboa ou Londres. Um bar de alterne, uma igreja, um museu, uma estátua. O espectáculo chama-se Vou A Tua Casa. O actor Rogério Nuno Costa. Já foi a casa dos espectadores, já se encontrou com eles num espaço público e agora vai ficar à espera, na sua própria casa, que o espectador toque à campainha e diga "É para ti". Uma trilogia teatral perto do fim. Ou do princípio.


É uma rua movimentada de Lisboa, num fim de tarde de Fevereiro. À porta do n.º 14 da Rua Castilho, ao pé da estátua, o Diogo espera pelo seu espectáculo, que está atrasado. Lembra-se de que escolheu aquele local porque uma vez ficou lá muito tempo à espera com pessoas que mal conhecia, porque gosta de prédios de escritórios, porque a estátua é muito feia e porque fica perto da Cinemateca. Quando o "espectáculo" chegou, apresentaram-se. (...) Na mão, um leitor de CD's, uma planta e pedras de vaso. A performance começava e à volta a vida continuava. (...) Uma "aventura artística" em que a óbvia questão dos limites do teatro é acessória porque o que lhe interessa são "as pessoas, as casas e o facto de ir ter com elas". (...) Para Tiago Bartolomeu Costa, produtor e investigador de história da produção de teatro, "a proposta do Rogério (...) insere-se numa linha de utilização de espaços não-convencionais, que é uma das linhas fortes de um conjunto de novas propostas que começaram a aparecer sobretudo na segunda metade da década de 90, e que convocam outras disciplinas e questionam o lugar e responsabilidade do espectador na construção de um objecto". (...) O espectáculo foi algumas vezes referido como teatro ao domicílio, sendo mesmo comparado à proposta do actor brasileiro Raul de Orofino, conhecido por fazer peças de teatro em locais pouco habituais (...). "(...) mas para a proposta do Raul era indiferente a coisa passar-se numa casa, num hotel ou num avião", explica Tiago Bartolomeu Costa. "E mais: tinha de ser feita para um mínimo de 20 pessoas. Era alguém que chegava a uma casa e se instalava, fazendo ali o seu teatro. No Vou A Tua Casa isso não acontece. Aquilo é feito para o espectador. No momento". (...) No caderno de bolso electrónico, Rogério desabafa: "Disse aos jornalistas todos que não era teatro ao domicílio. Quando muito seria teatro no domicílio, ou para o domicílio. Poucos compreenderam e entretanto eu fui ficando com um autocolante preso à testa. Às vezes dá jeito. Às vezes não". Diogo Correia (...) diz que No Caminho é como "estar num espectáculo teatral muito próximo da vida; (...) é algo laboratorial e muito vivencial". E confessa que ficou amigo do Rogério, apesar de nunca mais terem falado um com o outro. "Depois da performance parece-me que não consigo deixar de sentir um carinho especial por ele; para além do mais foi muito pessoal". (...) Seguiram-se cafés, museus, igrejas, um bar de alterne, jardins. Espectáculos que duraram horas, espectáculos que duraram minutos. (...) Percebe-se que a linha que separa a ilusão da verdade é aqui muito frágil. (...) A dimensão biográfica do espectáculo ajuda a percebê-lo. Rogério não é de Lisboa. As raízes estão em Amares, Braga. Quando chegou à capital, teve de viver numa nova casa, com novas pessoas. E a ideia para esta proposta nasceu exactamente da vontade de questionar a cidade, as suas relações, os seus espaços. Questionar o "estar em casa de alguém". A ideia evoluiu depois para a trilogia "de modo a dar um ar performável ao resto do percurso", explica Rogério. (...) Aquilo a que o autor chama as "sessões experimentais" do Lado C decorreram entre Maio e Agosto [de 2005], altura em que tiveram início as "sessões oficiais", que têm remate anunciado para o final do ano. (...) Tudo tem a aparência de ser espontâneo, verdadeiro, real. (...) Mas o mais importante é que agora o espectador é o actor. "Vão ser intervenientes directos nas performances em minha casa", explica Rogério. "Serão quase totalmente produzidas, pensadas, ensaiadas e executadas pelo público, com a ajuda do criador". (...) À disposição do espectador estão textos, fotografias, vídeos, objectos, músicas, que poderá utilizar para construir o seu espectáculo. "Se a pessoa quiser ficar em minha casa a dormir, pode ficar!", remata Rogério. Rogério diz muitas vezes que nas suas viagens de comboio para Braga "faz parte" da vida da pessoa que viaja ao seu lado. Infiltra-se no seu espírito, no seu sono, nos seus livros. Tal como invadiu a casa das pessoas depois de pedir licença para entrar. (...) O objectivo parece ser sempre o mesmo: pertencer ao mundo de alguém, fazendo do teatro um momento da vida, que não a interrompe. "Uma coisa que me fez sempre confusão foi trabalhar como actor e não ficar amigo das pessoas", confessa. Nas escadas do n.º 14 ainda estão o Rogério e o Diogo. Não falam, escrevem. "Realmente, aqui está muito frio. A esta hora as pessoas começam a sair dos escritórios e vão para casa", escreve o Diogo. Rogério levanta-se num ímpeto, escreve uma última frase num papel e deixa-o caído na árvore mais próxima. Desaparece. Diogo levanta-se, lê o papel: "I will love you, unconditionally".

in 8.ª Colina, Escola Superior de Comunicação Social
n.º 1, Outubro 2005