quinta-feira, janeiro 04, 2007

voxpop, #7.

TERÇA-FEIRA, 1 DO 3 DE 2005
Cacém, Casa do Dany


::: memória descritiva :::


Partimos de carro, do Café no Chiado até ao Cacém. Talvez já tivesse começado… No lugar do morto, o performer ao vivo. A atenção redobrada do condutor, no morto vivo e na estrada, ao som da conversa dos músicos no banco de trás. Ligou o dono da casa para saber quando chegaríamos. Não podíamos precisar, era o tempo da viagem. Tocámos à campainha. De sorriso aberto, abriu o portão e conduziu-nos à casa. Afinal, éramos todos convidados. Cozinhámos, comemos, comentámos uns discos, partimos inadvertidamente um velho sofá, rimos. E o performer, procurando um momento para, harmoniosamente, começar. A voz de Natália de Andrade ocupa o espaço. O actor, de costas, conduz-nos o olhar infinito para lá da janela. Entre poesia sua e pouco movimento. Um toque absurdo nas paredes da casa: também produzem som! Em cada A4, um nome nosso. Todos juntos, colados a fita-cola na vidraça. O performer estuda uma meticulosa, quiçá aleatória, organização das folhas. Quantas ordens são possíveis? Que significam? Haverá tempo para pensar nisso? Tanto faz, mas é um pormenor. Agora veste o casaco, veste e despe como quem vai continuamente partir, numa obsessão de movimento. O mapa da Europa pendurado para que possamos ver. O performer pergunta a cada um pelos destinos de viagens passadas e sonhadas e também indica os seus. Aproveita para petiscar, enquanto improvisa com o vinho, que ora bebe "de penalty", ora deixa escorrer como sangue da boca. Agora a casa de banho. Uma avalanche de palavras, movimentos, emoções. Estamos concentrados nesse local diário. O performer lava a cara, mexe no bidé, abre a janela e atira uma escova, depois de se despentear sofregamente com ela. AMO-TE, deixa no espelho. Descemos à cave. Falamos das nossas profissões e o performer conta as suas e ainda partes de espectáculos que concretizou no passado. Está frio. Enquanto continua a dialogar, vai tapando a porta de saída com um manto de folhas de papel coladas a fita-cola. Por fim, um livro de poesia, dedicado ao filho de uma das gémeas presentes. Ao virar de cada página à vista, pode ler-se uma frase, uma palavra e por fim um poema sangrento. O performer cola agora as últimas folhas do pano que cai, deixando terminar a noite. Cá dentro ficámos nós e um CD, prenda do performer para os donos da casa.

[Beatriz Portugal é investigadora nas áreas da performance e arquitectura paisagista.]