quinta-feira, janeiro 04, 2007

projecto de documentação.

CONVIDADO #04.
Carlos Bunga


©Carlos Bunga


Já falei do Ramiro Guerreiro, artista plástico que convidei para criar para o catálogo uma obra em diálogo com o Lado B. Falo agora do Carlos, a quem enderecei convite igual mas em relação ao Lado A. Falarei do André Guedes (idem, Lado C) em breve...


Carlos Bunga (Porto, 1976) apresenta desde ontem na Culturgest-Porto o seu mais recente projecto. O novo trabalho surge dois anos após ter-lhe sido atribuído o Prémio EDP Novos Artistas. Desde então, a sua obra tem circulado por várias exposições colectivas, quer na Europa – Manifesta, Bienal de Veneza — quer nos Estados Unidos – Artists Space, San Diego Museum of Art —, tendo recentemente realizado uma individual na Galeria Elba Benítez em Madrid. Um percurso fulgurante e muito consistente.


ÓSCAR FARIA — Desde 2003, após ter ganho o Prémio EDP/Novos Artistas, este é o projecto de maior dimensão que realiza em Portugal. O que é que se passou entretanto?

CARLOS BUNGA — Uma das pessoas do júri, Marta Kuzma, viu o meu trabalho em Serralves e convidou-me para a Manifesta. Participei nessa exposição e, depois, peguei na verba do prémio e fui para fora de Portugal, onde andei estes dois últimos anos a trabalhar.

OF — Nesse tempo realizou várias exposições, não só na Europa, como nos Estados Unidos, onde fez projectos quer em Nova Iorque, quer em San Diego…

CB — Fiz o projecto de Nova Iorque através do Bard College, onde era um dos finalistas, com curators novas e com muita energia: a Cecilia Alemani e a Simone Subal. O trabalho foi feito no Artists Space, um espaço alternativo nova-iorquino muito prestigiado, e tinha a ver com arquitectura. Tanto eu como os outros dois artistas da exposição Things Fall Apart All Over Again, o Michael Sailstorfer e a Heather Rowe, fomos escolhidos devido à nossa relação com a arquitectura.

OF — Em San Diego, o projecto foi mais recente…

CB — Fui convidado pelo Adriano Pedrosa para participar no “Farsites”, uma iniciativa no âmbito do “inSite”, que teve lugar em Agosto no San Diego Museum of Art e no Centro Cultural de Tijuana (México), participada por artistas como o Pedro Cabrita Reis, o Félix González-Torres ou o Carlos Garaicoa. O “inSite” é um projecto onde a ideia de fronteira é muito sentida, um conceito também presente no meu trabalho, que cruza várias disciplinas: da pintura à arquitectura, da instalação à escultura…

OF — As exposições deste ano na Galeria Elba Benítez, em Madrid, e no San Diego Museum of Art, prepararam de certa forma o projecto agora visível na Culturgest…

CB — Tenho uma postura crítica perante os meus trabalhos. Ao mesmo tempo há um lado intuitivo. Tento responder não só às questões que me são colocadas pelas obras, mas também aos problemas levantados por quem as vê. Nesse sentido, os projectos da Elba e de San Diego foram importantes, porque sendo estes grandes instalações, e não tendo a possibilidade de os fazer num estúdio, os espaços funcionam simultaneamente como estúdio e como espaço expositivo.

OF — No “projecto Culturgest”, nos limites do espaço, a questão da pintura é evidente, enquanto na zona central é a relação entre a sua arquitectura e o espaço envolvente que assume uma especial relevância: tudo forma uma instalação “site-specific”. Qual é a importância, para si, de realizar trabalhos que têm em conta a especificidade do lugar?

CB — A ideia de “site-specific” é uma questão crucial para este tipo de projectos. Antes de intervir, tento sempre perceber a funcionalidade de um determinado espaço, muitas vezes até a sua história. A ideia é de que cada projecto seja específico. Muito “site-specific”, mas sem decorações: é especificamente daquele espaço, tirando o máximo partido dele.

OF — A sua instalação estabelece pontos de contacto com a arte minimal…

CB — A questão minimalista, tanto na pintura como na escultura, é essencial. Interessa-me a consciência de um corpo quando está em relação directa, física, com a peça. Por outro lado, há esta dimensão de envolvimento do trabalho com o espectador.

OF — A sua forma de intervir pictoricamente, através da inserção de territórios bem delimitados de uma só cor, provém da observação das ruínas de edifícios, nos quais ainda permanecem as pinturas das paredes, diferentes em cada uma das divisões…

CB — Interessa-me o lado pictórico suscitado por esses espaços. Essas características são postas em prática nas minhas instalações. No início, a propósito das instalações, também falava na ideia de casa, mas agora está a surgir uma espécie de mutação: a palavra casa desaparece e surge a palavra espaço, que é completamente diferente. Um espaço abstracto com possibilidades que não são evidentes.

OF — Percebe-se igualmente que os espaços coloridos se encontram em contacto com as paredes que delimitam o espaço expositivo, reforçando-se, assim, a importância de uma leitura pictórica deste projecto…

CB — Andei sempre à procura de uma ideia de pintura envolvida no espaço. O facto de Fontana realizar fissuras na tela de modo a introduzir a ideia de espaço, esse gesto que ele tinha no pulso, comecei a fazê-lo de corpo inteiro nas minhas performances. Quando desconstruía uma estrutura procurava esse lado pictórico que estava escondido dentro dela. Acontecia um espécie de mutação, transformação, na direcção da pintura. Neste tipo de trabalhos, como o da Culturgest, muito mais inserido no espaço, o lado arquitectónico surge em evidência, mas os ecos da pintura estão também presentes. É interessante perceber que enquanto circulamos no espaço vão acontecendo mutações entre pintura e escultura, associados à ideia de espaço.

OF — A arquitectura surge agora como obra acabada e não como resultado de uma performance…

CB — Nos trabalhos anteriores existia uma proximidade com o real, que resultava da observação de um referente: as cidades. Havia o lado propositado de construir uma estrutura e isso tinha logo uma relação directa com a própria arquitectura dos espaços. Além disso, procurava questionar uma série de noções da história da arte: a questão da permanência e da durabilidade do objecto. Agora começo a interessar-me por fazer com que esse lado arquitectónico, esse lado de permanência, apesar de ser feito com materiais frágeis, como o cartão, continue muito sólido e, ao mesmo tempo, fragmentado.

OF — Há também o confronto com o edifício pré-existente, uma arquitectura muito difícil, porque demasiado impositiva. Como procurou resolver esta situação?

CB — Foi complicado. Senti-me quase comprimido pelo espaço devido à sua componente arquitectónica tão ornamentada. No percurso que fiz até agora, está presente a ideia de white cube, que tenho conseguido resolver. Esta nova situação fez-me ficar mais tenso. Tive de olhar para as características do espaço de modo a perceber o seu funcionamento, mas nunca pensando no meu trabalho. Numa segunda fase, quando comecei a trabalhar, não encontrava o referente presente noutras situações, porque este espaço forma uma espécie de cruz. A coisa foi extremamente complicada.

OF — Procurou subverter o espaço ou negociar com ele?

CB — Há um misto de subversão e negociação. Por um lado, há uma conversa com o espaço, mas também há a tentativa de o subverter. Nessa tensão, as decisões vão sendo tomadas.

OF — É também possível interpretar politicamente a instalação, até porque ela é feita num edifício bancário. Interessa-lhe este tipo de leituras?

CB — Há uma tendência de, perante este tipo de trabalhos, ter-se um discurso sobre a sua precaridade. Pessoalmente, interessa-me que seja um trabalho muito mais fronteiriço, com várias ramificações. Pode falar-se de precaridade como estética, política, pintura, escultura… Há uma diversidade de linguagens a partir das quais se pode abordar o tipo de trabalho que tenho desenvolvido.


[Entrevista de Óscar Faria publicada no Jornal Público a 10 de Dezembro de 2005, aquando da exposição individual de Carlos Bunga na Culturgest/Porto. Publicada aqui com autorização do autor.]


©Carlos Bunga.