terça-feira, dezembro 26, 2006

voxpop, #6.


VOU A TUA CASA


A primeira vez que o Rogério proferiu estas palavras como sendo o título do seu próximo "trabalho", confesso que não deixei de me sentir intrigada, mas ao mesmo tempo nada surpreendida, vindo dele. Não fui cobaia, não fui cúmplice activa, nem sequer fui corpo presente durante todo o macerar deste projecto até à fase em que se encontra actualmente. No entanto, sigo de forma atenta, na posição de espectadora distante e apenas como receptora de informação, o desenrolar dos acontecimentos desde a sua forma mais primária. Talvez por estar geograficamente distante, lembro-me do Rogério me ter dito que era uma das primeiras pessoas a quem ele falava deste projecto. Acho que na altura apenas o Lado A estava nos planos. Confesso que não sabia exactamente o que esperar, mas fiquei com a curiosidade bastante afiada. Infelizmente, era muito provável que nunca chegasse a ver o resultado, isto porque de há uns tempos a esta parte eu e o Rogério temos andado completamente desencontrados e com uns timings péssimos. Nós que sempre nos questionámos sobre o universo, parece que este esteve mesmo empenhado em fazer com que as nossas vidas seguissem muitas vezes linhas paralelas, mas sem nunca se tocarem. Hélas! Percebi mesmo assim, em grande parte através do blog, que este projecto representava uma ruptura com o convencionalismo do triângulo teatro/público/actor, se é que alguma vez aspirou a sê-lo. Vivo o projecto por procuração, leio, absorvo, saboreio... Acho que é uma das suas grandes virtudes. Não sou artista, não frequento círculos intelectuais ou pseudo-iluminados que lêem nas entrelinhas o sentido escondido e subliminar de tudo o que se faz, principalmente quando se trata de criações "marginais" (no bom sentido) como é o Vou A Tua Casa, e de resto tudo o que o Rogério cria. Por isso mesmo, não vou estar com rodeios nem meias medidas, deixo as críticas literárias (e muitas vezes incompreensíveis) e as apreciações eruditas e profundas, cheias de palavras difíceis, para quem tem de o fazer. Para mim, o Vou A Tua Casa começou há dez anos atrás... Conheci o Rogério numa fase de transição nas nossas vidas. Foi quando ambos chegámos a Lisboa, vindos da mesma cidade. Ele foi a primeira pessoa que lá conheci e o mesmo para ele em relação a mim. Cheios de sonhos próprios dos recentes dezoito aninhos. Muitas horas de divagação no Intercidades, muitas noites em branco em busca do sentido da vida, muitas aventuras, talvez na tentativa de nos encontrarmos a nós mesmos... Vivemos juntos durante quase 5 anos. Para mim, sempre foi uma pessoa muito especial, à qual comecei a estar particularmente atenta, desde o seu primeiro contacto com o teatro. Conhecia um Rogério divertido e com rasgos de genialidade, mas perturbado, inquieto, e, nessa altura, comecei a ver um feixe de luz na escuridão, uma pequena larva a começar a ter contornos de borboleta. Acabei por conseguir assistir à performance (Lado A), em Lisboa, numa das minhas passagens relâmpago. Passou-se em casa da Mónica. Também lá estavam a Catarina (ambas também viveram connosco) e o Serge, o meu namorado. Confesso que estava sentada no sofá e não fazia ideia do que esperar. Assim que o Rogério entrou na sala, foi como se me tivessem batido com um martelo na cabeça. Assisti à performance em estado de semi-transe, pois para mim foi como se uma montanha russa tivesse arrancado. Não estava fisicamente em minha casa, mas mais do que entrar em minha casa, ele entrou-me na alma. Percebi que não se tratava de invadir espaços pessoais, mas sim tocar as pessoas, sob forma de universos que se cruzam e que se tocam de alguma forma. Vi a minha vida passar-me à frente, tanto no sentido real (porque algumas daquelas coisas foram realmente vividas por mim), como no sentido figurado. Foi como abrir uma caixa de Pandora, um espelho que se desdobra. Foi uma sensação de enjoo tal, que senti as entranhas, as veias, o sangue... Todos acabámos por nos identificar (ainda que da forma mais inexplicável) com aquelas palavras, aqueles actos, aquelas melodias. Todos temos uma "Amares", todos buscamos algo, todos somos performers... Fez-se luz. Toda a minha observação de anos do Rogério/ser humano vs. Rogério/artista estava concluída, tudo o que procurei entender sobre aquele binómio estava diante dos meus olhos. Eles faziam um só! O Rogério sente, o Rogério vive, o Rogério não cria, ele é, apenas. Era tudo tão transparente, tão sincero, claro como água. Acho que a sensação na sala foi comum. Não que alguém o tivesse dito. O Rogério saiu sem se despedir e não voltou. Nós olhámos nos olhos uns dos outros em silêncio. Abrimos uma garrafa de champagne e, em segredo e sem uma palavra, brindámos ao Rogério. Ao nosso amigo que tinha acabado de se encontrar... E nós com ele.

Vânia Teixeira, 28 anos, chef d'entreprise
[amiga e fã, directamente de Ste. Maxime]