terça-feira, novembro 28, 2006

projecto de documentação.

CONVIDADO, #3
Maria Lemos


« Há muito tempo, no início de Setembro, escrevi este texto sobre a forma como o Vou A Tua Casa estava a chegar até mim e as razões para continuar a ler o blog, por me parecer que envolvia tanta coisa fundamental: pertinência, disponibilidade, consciência, generosidade, etc. Uma experiência de alguém que não viu, não foi cúmplice desse encontro performativo; apenas leu, ouviu falar, e com isso sentiu. Na realidade, foi um "encontro" diferente, um encontro com o projecto, não com o seu autor, um encontro que se foi fazendo à distância, sempre numa aproximação unilateral, dele para mim, à medida que o ia descobrindo e absorvendo. Foi-se-me declarando através de textos, imagens, conceitos, conversas com outras pessoas. E eu fui conhecendo-o. Como quem conhece uma pessoa: primeiro os contornos, fragmentos soltos, até que se percebe o que ela é, e então muitas vezes surpreendemo-nos. Este processo pode acontecer mais ou menos rapidamente, ou até ser quase instantâneo. Com o projecto não: foi-se dando a passo e passo, e ainda continua, a cada nova informação que recebo. Vou A Tua Casa. Uma proposta simples e clara. Duas pessoas escolhidas. Ou melhor, que se escolhem. Telefonam-se. Marcam um encontro. Uma vai ter com a outra. Ou encontram-se no caminho. O que é que as move? Foi este o primeiro facto que me fez continuar a ler o blog: essa questão da disponibilidade para ir a casa do espectador apresentar/construir algo para ele, com ele. Por um lado, por parte do espectador, a abertura do espaço privado para a intromissão de algo que lhe é estranho, algo que não faz ideia da forma que pode tomar, mas confia. Por outro, a predisposição por parte do autor a ocupar esse espaço e esse tempo com o seu corpo; coisas, pensamentos e acções que se articulam, referem e criam relações. Os corpos expectantes sentem-nas e comovem-se. Poderei resumi-lo assim? Há ainda outra questão que me inquietou e também justifica este meu interesse: a afirmação da identidade e a sua revelação no trabalho directa, factual e materialmente; o aproveitar tudo, tornando-o objecto que faz parte integrante do projecto (que é apresentado). Foi o deixar à mostra as entranhas para podermos espreitar e encontrarmos um corpo assim: que não nega nada, que não exclui nada. Parece-me muito inspirador. Como todos os processos de comunicação se tornam mais ricos quando existe movimento de informação nos dois sentidos possíveis, e neste projecto essa necessidade é uma premissa fundamental, "isto" é a minha primeira resposta. »

Maria Lemos
1 de Setembro de 2006 [por mail]

foto: Rogério Nuno Costa [Torres Vedras, 2006]

Maria Lemos nasceu no Porto em 1988, onde viveu até concluir o ensino secundário. Iniciou a sua formação em Dança na Academia de Dança das Antas, tendo, nos últimos anos, participado em workshops com vários professores como Bruno Heynderickx, Mduduzi Nyembe, Mafalda Deville e Índio Queiróz. Em 2005, frequenta um workshop de improvisação leccionado por Teresa Prima e daí surge a oportunidade de integrar uma residência artística dirigida por esta coreógrafa, no CENTA, em Vila Velha de Ródão. Foi assistente de ensaios da sua última criação performativa "Sala de Estar", para o Festival Internacional de Marionetas do Porto. Destaca ainda o workshop de "Composição em Tempo Real" com João Fiadeiro, integrado no Festival Mira!. Frequentou vários cursos na Fundação de Serralves sobre arte contemporânea, tais como "Isto é arte?", orientado por Magda Henriques e "Dar corpo e voz ao espaço – os sentidos na percepção espacial". Actualmente, vive em Lisboa, onde frequenta o curso de Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Participa no "Projecto de Performance" do Projecto de Documentação a convite da colaboradora Teresa Prima.