IDEIAS DO TEATRO
Ortega y Gasset, 1946
1.
"O teatro é um edifício. Um edifício é um espaço demarcado, isto é, demarcado do resto do espaço que permanece fora. A missão da arquitectura é construir, frente ao fora do grande espaço planetário, um dentro. Ao demarcar o espaço se dá a este uma forma interior e esta forma espacial interior que informa, que organiza os materiais do edifício, numa finalidade. Portanto, na forma interior do edifício descobrimos qual é em cada caso a sua finalidade. São meios para isto ou aquilo. Os elementos da forma espacial significam, pois, instrumentos, órgãos feitos para funcionar em vista daquele fim, e sua função interpreta-nos a forma do edifício. Como diziam os antigos biólogos, a função faz o órgão. Deveriam dizer que também o explica." [pp.28 e 29]
2.
"Com efeito, em comparação com o que fazemos o resto do dia, quando estamos no teatro e nos convertemos em público não fazemos nada ou pouco mais; deixamos que os actores nos façam — por exemplo, que nos façam chorar, que nos façam rir. Ao que parece, o teatro consiste numa combinação de hiperactivos e hiperpassivos. Somos, como público, hiperpassivos porque a única coisa que fazemos é o mínimo fazer que cabe imaginar: ver e, para começar, nada mais. Certamente, no teatro também ouvimos, mas, segundo vamos em seguida perceber, o que ouvimos no teatro ouvimo-lo como que dito por aquilo que vemos. Com o que às duas dualidades — a espacial de sala e cena e a humana de público e actores — temos de acrescentar uma terceira: o público está na sala para ver e os actores no palco para serem vistos." [p.30]
3.
"A dramaturgia é apenas secundária e parcialmente um género literário. O teatro — literatura — podemos lê-lo em nossa casa, à noite, de chinelas, junto à lareira. Pois bem, pode ocorrer que, olhando bem a sua realidade, nos pareça, como o mais essencial do teatro, ser preciso sair de casa e ir a ele. Se o primeiro sentido forte e vulgar, fecundissimamente ingénuo da palavra teatro, é significar um edifício, o segundo sentido, também forte e vulgar, seria este: teatro é um local aonde se vai. O teatro é, com efeito, o contrário da nossa casa: é um local aonde é preciso ir." [p.32]
4.
"Os actores podem mover-se e dizer nas formas mais variadas — trágicas, cómicas, intermediárias —, mas sempre com a condição imprescindível, permanente e essencial de que nada do que fazem e dizem seja "a sério" isso que fazem e dizem; portanto, que seu fazer e dizer é irreal e, em consequência, é ficção, é 'brincadeira', é farsa. Conta Kierkegaard que num circo se produziu um incêndio. O palhaço foi encarregado de avisar o facto ao público, mas este acreditou que se tratava de uma palhaçada e morreu queimado." [p.45]
5.
Conclusão, minha: o Vou A Tua Casa é teatro ao contrário.
©José Luís Neves