sábado, janeiro 07, 2006

(parêntesis).

DAS FESTAS
Parte II


Nunca um e-mail meu, desejando Boas Festas e Próspero Ano Novo (mas com requintes de malvadez diabólica e piscares de olho a poetas malditos da altermodernidade) teve tantas respostas, festivas umas, indignadas outras, agressivas algumas, por parte dos seus receptores. Acompanhando o fervor apocalíptico dos últimos acontecimentos nacionais, aproveito para reavivar na memória dos receptores o dito e-mail, também agradecendo a quem se dignou responder: à Natacha P., à Paula S. N., à Eva M., ao Luís C., à Conchita M., à Carla C., à Patrícia P., à Rita C., ao João L. P., ao João G. M., à Paula R., à Margarida A. da S., e em especial ao Rui Matoso, que me respondeu assim:



Rogério, olá. Apetece-me também começar com uma citação: "Se o unicórnio é demiurgo da sua própria imagem, pensa o visitante, o mundo está explicado. Se a imagem permanece, mesmo depois do seu afastamento (...) então o mundo não está explicado e, nesse caso, a memória será omnipotente ou omnipresente." (Fiama Hasse Pais Brandão, Contos da Imagem, Assírio & Alvim). Não sei se já apreendi este parágrafo helicoidal, mas tive e retenho a sensação que o pensamento se moveu, e que esse movimento gera uma energia, e que essa energia apura o pensar... Mas há quem não-pense, ao contrário de ti, que a arte ao accionar a efervescência dos neurotransmissores sinápticos causa imoderada inquietação... Pondo em risco a sua insistência mundana, isto é, uma certa forma de vida que diríamos instrumental... mas sem música... que visa obter uma mais-valia, que posta em circulação traria acrescidos créditos a uma existência acreditada, sabe-se lá por quem, por quê e para quê... Mas crê-se, crêem alguns (alguém) numa qualquer soma incrementando-se dia após dia... Quase infinitamente... Não fosse um dia uma coisa negra e abjecta bater-lhes na cabeça a pedir contas... Mas que contas?... A linguagem da morte é-lhes então estranha, porque para ela não há saldo, não há restos divisíveis, e aí adeus... Entram em paranóia... E no mínimo reencarnam sanguessugas coloridas. A representação é sempre ideológica? É administrada pela propagação dos sentidos que a sustentam? Daí a sua utilidade, a sua força consensual criadora de rebanhos obstinados com a consumação de todo o objecto-verde que mexe, ainda que por ventos camuflados, ou fabricado com moléculas polímeras... O rebanho (sem querer usar o termo pejorativamente, mas antes com a formulação genealógica de Nietzsche) persiste em crer no redil como instância protectora... A anestesia diária onde se aquietam as memórias de uma jornada rente ao abismo. E o unicórnio? É uma besta incrível. Associo-o ao Thomas Hirschhorn (Tomás Unicórnio), de que registo e enfatizo o teu-nosso apreço de fãs... Tu também és um Unicórnio... Desculpa-me o abuso... Mas o teu córneo ainda está em crescimento, se me permites dizer assim... Enquanto que o do Tomás está já maduro... Sem juízos frutíferos... E o unicórnio? Se o unicórnio aparecesse mais vezes sem deixar rastro, o mundo não estava nem explicado nem deixava de estar, ficaria em suspenso entre cada aparição, ficava implicado, envolvido em cada dobra que a besta faria ao aparecer, e a memória que se queria omnipotente seria uma pequena bezerra a miar dentro da cabeça do espectador... Um ronronar constante... (isto tudo só para dizer que gostei do teu e-mail "Das festas...").



[Rui Matoso]