quarta-feira, novembro 09, 2005

encontro no caminho.

UM SÍTIO DES-LOCALIZADO
16 de Outubro de 2004



No mapa turístico onde está assinalado o sítio onde me encontrei com o Luís, não aparece nenhum nome, nenhuma designação, um único número que aponte para a legenda numa das margens do mapa. Só uma mancha verde forte, comum a todas as zonas verdes da cidade, atravessada por um riacho (braço que sai do rio Sizandro), rodeada por árvores, ladeada pela ruas Ville Nave d'Ormon e António Leal da Ascensão, e próxima de coisas tão importantes como os Bombeiros Voluntários, a Polícia de Segurança Pública ou o monumento a Joaquim Agostinho. De resto, apenas uma mancha verde, um riacho e duas pequenas pontes de madeira. Foi numa delas que me encontrei com o Luís, no final de uma tarde muito fria e húmida, quando o nevoeiro faz a água ferver e dela emanar um fumo que torna tudo fantasmagórico. Eu incluído, semi-nu, pés enterrados na relva esponjosa, com um sinal de trânsito arrancado ao chão a servir de dedo indicador. O Luís cumpriu com todas as directivas. O nosso encontro/performance também. Por isso mesmo, não posso revelar mais, sob pena de trair o "contrato"... Passado algum tempo, o Luís envia-me um trabalho de mestrado intitulado "Localização e especificidade nas práticas artísticas contemporâneas". Mais uma prova de que a performance não acaba, continua. Um excerto:



É curioso notar que (...) apesar de promoverem formas de acesso mais ou menos efectivas à obra de arte, quer enquanto objecto acabado (sobretudo nos casos em que dentro da própria obra existem como referentes aspectos relacionados com o contexto do lugar), quer enquanto objecto em processo (partilhado ou não), o que estas instituições e estas práticas artísticas acabaram por fazer foi (re)instalar o discurso em torno da relação entre a arte e o social, a partir das ideias de participação e de compromisso. Acerca desta matéria refere Declan McGonagle (...): “como se existisse para artistas e curadores a possibilidade de opção de a arte ser social ou não; como se a arte não estivesse já na sociedade e como se não fosse socialmente funcional. A arte sempre foi social, no sentido em que a transacção entre o eu e o outro — o eu do artista e o outro do não-artista — é explícita no processo artístico, e de que esta transacção é social. Se não existe transacção, então a arte não está presente nessa experiência, não importa que formato material ou imaterial a experiência adquire (...)”. A prática da arte só se pode dar por concluída/completa quando é experienciada em determinado contexto, e, na medida em que o ‘observador’ acrescenta valor a essa transacção “como co-produtor de significado e não somente como consumidor”, como refere ainda McGonagle. Isto aplica-se a todas as formas de arte, mas será porventura mais visível e óbvio nas práticas artísticas performativas e em especial na performance, nomeadamente naquelas manifestações onde o corpo é o elemento capital e onde, como diz Marina Abramovic, a performance “depende da co-humanidade e da participação do outro”, seja ele um indivíduo ou um colectivo. Exemplo do que acabamos de referir, no actual contexto português, é o mais recente trabalho de Rogério Nuno Costa, intitulado "No Caminho", uma performance/intervenção que acontece no espaço público a pedido de qualquer observador mediante marcação de hora e local de encontro (muito provavelmente um território familiar ao observador), e que vive precisamente da interacção que se gera no momento do encontro entre performer e observador, um momento simultaneamente real, ficcional e utópico (...).