sexta-feira, novembro 11, 2005

versão torres vedras.

2003/2004/2005
E o feitiço vira-se contra o feiticeiro...





O meu primeiro contacto com o Festival A8 ocorreu em 2003, quando, após um concurso público, fui seleccionado para desempenhar o papel de "observador", a par com uma criadora (Beatriz Cantinho), uma socióloga/investigadora (Cláudia Madeira), e ainda dois rapazes das letras e da filosofia, 'nativos' de Torres Vedras (Luís Filipe Cristóvão e Rui Matoso). A oportunidade de poder debater a inserção de determinado tipo de objectos artísticos no âmbito de um festival de raízes "locais" (muitas vezes em momentos imediatamente posteriores ao seu visionamento), assim como a exigência de ter que fixar um discurso escrito que fosse fiel a esse trabalho de análise e de observação (numa absoluta e sofredora corrida contra o tempo das deadlines), foi de uma importância extrema para a minha "formação artística" (substituiu, indubitavelmente, um ano de aulas poeirentas numa escola de artes), mas também para o meu próprio posicionamento como criador. Daí para a frente, confesso que muita coisa mudou na minha maneira de olhar para o trabalho de criação.

Ainda assim, e em termos globais, o que desde logo me intrigou (num festival com a dimensão que o A8 teve em 2003) foi um paradoxal desajustamento dos objectivos do Festival em relação às estratégias de comunicação e de sensibilização dos "públicos locais". A questão é muito abrangente e não se resume a um simples "o Festival não teve público". E como a interpenetração dos objectos artísticos com a comunidade e o contexto local era o alicerce que sustentava toda a engrenagem programática do Festival, alguma coisa deve ter corrido mal.

No texto final que cada um dos observadores teve que redigir (espécie de balanço final/resumo da matéria dada/abertura de novas possibilidades), não pude deixar de ser crítico em relação a essas questões. Não terá sido por isso que deixei de continuar a colaborar com a Transforma e com o Festival, mas um ano depois estaria a provar eu próprio (agora como criador que apresenta o seu trabalho) o veneno que havia minado grande parte das intencionalidades (bastante bem "intencionadas" por sinal) do Festival no ano anterior. As minhas intervenções tiveram muito pouco público, muito pouco mesmo. E eu pouco ou nada fiz para o conseguir. Porque agora era apenas e só o "criador"; porque não me cabia a mim esse papel (aliás, nunca coube); porque, na verdade, não sabia bem o que fazer.

Este ano, estou cá novamente. O Festival mudou de pele. Algumas preocupações mantêm-se. O famigerado "público" é uma delas. No âmbito do trabalho que estou a desenvolver [esboço "versão Torres Vedras" do projecto FUI], vejo-me quase obrigado a somar 2003 mais 2004, o observador mais o criador. E tentar acertar a engrenagem da máquina que sustentou as minhas participações nos anos anteriores, propondo uma possível inter-contaminação. Acima de tudo, corrigir o desfasamento entre o que fiz como observador e o que fiz como criador — porque é que a experiência obtida no terreno de 2003 não me permitiu criar eu próprio para 2004 uma forma diferente de inscrição do Vou A Tua Casa no contexto de Torres Vedras?