sexta-feira, setembro 02, 2005

encontro no caminho.



Uma escolha no mínimo excitante. Um espectador com pouca apetência para assistir a espectáculos. Uma vontade para o compromisso performático desequilibrada à nascença. Demasiadas expectativas goradas. Aos 20 minutos de um espectáculo insuportável, ficar tornou-se insuportável. Fui embora.


Ao telefone:

Como sei que ainda estás a assistir ao 'outro' espectáculo (com o telemóvel desligado, como mandam as regras do respeitinho exacerbado pelos artistas e restantes espectadores), faço uso do teu voice mail para concretizar um possível finale para o 'outro-nosso' espectáculo. Teres chegado acompanhado de outra pessoa (sabendo desde o início que a performance está 'montada' para acontecer apenas e só para dois indivíduos — um que se diz actor [eu], outro que se diz espectador [tu]), provocou na ideia de performance uma ruptura inicial de difícil digestão. Ainda assim, forcei uma continuação e entrei contigo para o teatro, desconfiado, esperando que as luzes baixassem, que os actores entrassem, que o espectáculo (o 'outro') começasse. Durante os 20 minutos em que permaneci contigo lá dentro, consegui perceber algumas coisas importantes; todas elas contribuíam, se bem que em doses diferenciadas, para a minha "saída" (não para a minha "desistência", como deves estar neste momento a pensar). A saber:


1)
Não agento nem mais um minuto de Maria Emília Correia;

2)
A vontade por detrás do teu convite não se prende com a minha performance, mas sim com a tua vontade em me veres a assistir a um espectáculo da Maria Emília Correia;

3)
Ou seja, a minha performance foi um pretexto para outra coisa qualquer, quando deveria ser essa 'outra coisa qualquer' a servir de pretexto para a minha performance;

4)
Concluo que não percebeste a performance (a minha) no seu estado ainda inciático e tornado público, como também não percebeste a consequência do erro que foi teres transformado o meu trabalho num pretexto para outra coisa qualquer.


Ainda assim, a nossa performance aconteceu, e acaba aqui, no teu voice mail.



Depois disto, houve conversas, desfizeram-se mal-entendidos, fizeram-se outros em substituição... Apesar de tudo, foi importante para mim perceber que nem sempre é possível uma performance acontecer na sua máxima plenitude. Se o espectador não quer, então o espectador não tem. Eu fico mais pobre, porque não cobro um bilhete; mas a performance fica mais rica, porque reflecte uma vez mais (e através de uma forma inusitadamente nova) à volta de uma das suas linhas-mestras essenciais: o papel do espectador na condução da performance. Em Setembro de 2005, estou ainda à espera que o Paulo se disponibilize para nova investida.