LUÍSA CASELLA
13 de Abril de 2003
Numa casa onde só se foi uma vez, vêem-se as coisas pela segunda vez. Ver as coisas pela segunda vez é muito diferente de ver as coisas pela primeira vez. Ver as coisas pela segunda vez implica a comparação de dois momentos. Sendo que o primeiro é sempre mais especial. E isto é uma lei absoluta e indiscutível. Mas também um dos síndromas mais mórbidos pertencente ao universo dos espectáculos — o do segundo dia. Outra das leis absolutas e indiscutíveis é a do poder incomensurável das coincidências. A Luísa apareceu-me na vida no meio de uma coincidência espantosa. Verão de 2002. Estava eu a trabalhar no projecto ‘Ophelia’, com a Marina Nabais, quando fui ver uma exposição dos finalistas do curso de fotografia do Ar.Co. A Luísa estava lá, com uma série de quatro fotografias intitulada, justamente, ‘Ophelia’. As imagens eram de tal forma próximas daquelas que eu e a Marina estávamos a tentar reproduzir em palco, que não resisti a ir falar com ela. Dois meses depois, a Luísa fotografava a Marina debaixo de água com a mesma paixão com que o tinha feito com a irmã, anteriormente. O resultado foi este:
O gosto da Luísa pelos filtros de cor deu já azo a muitas conversas. No dia em que a visito, uma parede da sala está coberta de fresco por um laranja luminoso. A Luísa está a proceder a umas pequenas mudanças de visual. Fala-se disso. Daí até ao significado terapêutico das cores é só um pequeno degrau. O vermelho é agressivo. O laranja é alegre e positivo. O azul provoca o sono. E porque é que se mudam as cores das paredes. E porque é que se muda o lugar dos móveis. E porque é que se muda tudo numa casa, mesmo sabendo que não se vai ficar lá por muito tempo. “Queres um café?” – Luísa. O café serviu para levar a conversa até às singularidades mais ou menos sórdidas das nossas vidas pessoais. Nunca tinha havido oportunidade para tal. Antes. Todo um novo universo para eu descobrir na Luísa. Todo um novo universo para a Luísa descobrir em mim. A seguir falámos doutras coisas: conversas sobre histórias semelhantes entre duas pessoas que se encontram por coincidência, conversas sobre o acaso, conversas sobre coincidências, conversas sobre espaços, conversas sobre ocupações de espaços, conversas sobre o meu espaço, conversas sobre o espaço dela, conversas sobre o nosso espaço, sobre os vizinhos, sobre os vizinhos da Luísa (que são fantásticos), sobre as comunidades de freaks, sobre as coisas usuais, sobre as coisas pouco usuais, sobre as saudades do tempo em que se comunicava, e sobre o ‘abaixo a globalização’. “Adoro ir a casas!” – Luísa. “Eu também!” – Rogério. Que coincidência.