TEASER #04
GUIÃO/LADO A
Da vontade de voltar atrás
[terceira figura do excesso]
Rogério Nuno Costa [Texto]
Carlos Bunga [Obra Visual]
©Carlos Bunga [excerto de "Sem Título", fotografia & postal, Nova Iorque, 2006].
“Cada corpo ocupa o seu lugar.”
[Augé citando Marin citando Furetière, p. 51]
[...] 2003. Pensava que seria possível transformar performativamente a acção “ir a casa de alguém”, dela fazendo forma, e dela fazendo conteúdo. Significantes e significados em constante tensão e in-tensão dialécticas. Eu como signo uno e indivisível. Eu remediando e reciclando ad nauseum. Como se isso fosse “suficiente” (podemos substituir por “possível”, ou então por “producente”). Como se isso fosse um “nada” ou um “algo” potenciado a um possível (suficiente, producente…) “tudo”. Levar uma pizza já com os ingredientes todos em cima, pronta a ser deglutida no tempo-recorde de uma fome espontânea, não me parecia bem. Para isso juntava-me à horda de papparazis e construía com eles a maquete micro-política de um palco à italiana, à base de papel mastigado de jornal. Representava o papel. Ou a pasta do “papel”. Porque cogumelos serão sempre cogumelos. Frango será sempre frango. Ananás será sempre ananás. Pepperoni será sempre pepperoni. O segredo, esse, está na massa. O segredo, esse, está na “base”. Respondi a todas as Flashes Gordas geo-políticas com alternativas preposicionais: em vez de uma entrega ao, poderia ser uma entrega no, ou uma entrega para… Não?! How Scandinavian of me… Desisti da horda na mesma exacta medida em que a horda desistiu de mim. No entretanto, lá fui ficando com um autocolante preso à testa. Às vezes deu jeito. Outras vezes não. [...]
[...] Continuo a escrever como quem desenha. Trata-se do meu último reduto cosmético (na altura ainda não tinha descoberto a cozinha de fusão…). Mas não me consigo abreviar; medo de me extinguir; estendo-me; extenso. Não quero ir a tua casa para ser “diferente”. Quero ir a tua casa para ser “igual”. Se me querem subversivo, então aprendam a "virar o frango", aprendam a apreciar o charme da periferia, o avesso: é aí (e não ali) que me vão encontrar. Estou nesse sítio (e não no outro). Fui (não vim). A tua casa, digo. À vossa, se quiserem. Vou, fui, para ser exactamente igual a todos os outros antes de mim. Para ser igual a mim. Para me igualar a ti. Entro, e a tua casa é um caderno novo em folha, por estrear [podemos, se quisermos, voltar ao início deste texto, reler tudo novamente, para confirmarmos que de facto o autor é obcecado pela imagem (nunca pela metáfora) da tábua rasa; uma segunda leitura, menos atenta talvez, mas mais expedita, confirmaria um segundo plano de intenções, localizando o autor num túnel de pensamento performativo que é um beco sem saída: ele força-o, e força-o, e volta a forçá-lo; o beco cresce de amplitude, estende-se, extenso, mas nunca deixa de ser um beco sem saída; e ele lá o vai forçando, uma e outra vez; how Portuguese of him!; diz que é feliz assim e faz disso nota biográfica; uma terceira leitura, ressabiada, chamaria o criador de “fundamentalista inflexível”; não queremos falar desta porque temos medo de concordar]. Continua a escrever. Quando sair, arruma-lo, o caderno, caoticamente, a um canto. Diz: “És tão descartável (reciclável, remediável) para mim quanto o papel que guarda o calor desta base de pizza acabadinha de sair do forno.” Com tanta conversa à soleira da porta, deixámos a base esfriar, estragámos a festa, ou então inventámos uma maneira diferente de sermos iguais. Nas paredes da tua casa, porém, ficaram coladas as folhas rasgadas do caderno descartável, ingredientes perdidos para sempre, fora de base, sem parte, nem sabor; crus. É a tua vez de te reciclares. Remedeia-te. Extenso. Agora amanha-te. [...]
[...] O tema deste espectáculo é o “desapontamento”. [...]
Mais um teaser que antecede a pré-publicação online e parcial de Vou A Tua Casa/Projecto de Documentação [livro e vídeo-documentário] num website que será disponibilizado até ao final do mês de Outubro. A seguir!