segunda-feira, fevereiro 25, 2008

encontros no caminho.

J.M.
Sé de Lisboa

6 de Março de 2005, 15:00


Ou como tudo o que acontece antes da performance acontecer é mais importante/interessante que a própria da performance no momento exacto em que acontece.


1
Olá Rogério. Peço desculpa por não ter voltado a contactar-te, mas [censurado] ...e tive de [censurado]. Espero não ter posto em causa a realização da performance. Gostaria, então, com este mail, de replanear as coisas. Não gosto, como aliás é costume e só fica bem, de falar de mim, portanto decidi sistematizar traços de carácter que poderão revelar-se absolutamente inúteis:

  • Sou um céptico global, um maníaco-depreciativo incurável e um observador impiedoso;
  • Tais traços traduzem-se, normalmente, em comentários e observações que oscilam entre o azedo, o acutilante, o violento, o xistoso e o mais gratuito nonsense;
  • Não consigo levar nada nem ninguém a sério, começando por mim próprio (este acrescento revela, no entanto, uma auto-estima elevada);
  • Acredito piamente na efemeridade, artística, amorosa e mística, mas não confio em performers, em performances, em dança contemporânea, em música experimental e em convenções modernaças inventadas à pressa por cérebros iluminados de 22 anos que promovem mostras de design, criatividade e artes performativas que ninguém quer ver. Se é efémero, que valha o momento;
  • Sou consideravelmente mais inteligente do que as pessoas consideravelmente inteligentes, mas como acho o ego um acessório risível, não o manifesto;
  • Não gosto de manifestos;
  • Simpatizo com os comunistas pela perseverança porosa e pelos casacos de lã que insistem em manter como fashion statement;
  • Não diria que tenho ideias de esquerda. Diria que tenho ideias. Vagas;
  • Não tenho grande consciência política. Na verdade, pergunto-me se tenho consciência, ponto;
  • Confio plenamente nas capacidades regeneradoras dos produtos Vichy — sou vaidoso e tenho um problema com os 30. Pronto, já o disse. Nunca o tinha admitido;
  • Comer enfada-me;
  • Escrever mails enfada-me;
  • Sou espartano por opção e perdulário por vocação;
  • Tenho uma capacidade de concentração de 13 minutos mas consigo prestar a mesma atenção a duas coisas ao mesmo tempo, o que dá uma boa margem de opção;
  • Não, não tenho a mania que sou engraçado, mas tenho muitas outras manias que poderiam dar uma performance curiosa;
  • Chamo-me J., 31 anos, solteiro, amigo do seu amigo, trabalhador incansável, homem do circo, provocador passivo, generoso e desconfiado, amante de chocolate e sexo, saúde frágil e inquietação crónica.

2
Sistematizei os meus, a partir dos teus; há diferenças (muitas) e semelhanças (muito poucas); descobre tu o que quiseres, ou risca o que (não) interessa:

  • Sou um crente global, um maníaco-positivista incurável e um observador desleixado;
  • Tais traços traduzem-se, normalmente, em comentários e observações que oscilam entre o fascinado, o ingénuo, o totó, o demasiado queridinho e o mais gratuito bajulador;
  • Levo quase tudo e quase todos a sério, começando por mim próprio (este acrescento revela uma auto-estima elevada);
  • Acredito piamente na efemeridade, artística, amorosa e mística mas não confio em críticos, em críticas, em análises a espectáculos, em comentários a filmes, músicas, quadros, livros, objectos, em dissecações mais ou menos semiológicas de discursos artísticos vários, em alunos de Mestrado, em bolseiros de Doutoramento, em investigadores de sofá, em leitores compulsivos de Eduardo Lourenço, em citadores compulsivos de Gilles Deleuze, em aduladores compulsivos de [censurado], em escritores de blogs de todo o género e espécie (nomeadamente os que se servem da sua compulsão analítica para tornar pública a vontade de fazer parte do quadro de colunistas do jornal Público), em colunistas do jornal Público, em intelectuais de esquerda/de direita/do meio/de lado nenhum (riscar o que não interessa), em gurus do cepticismo teórico pós-moderno que organizam seminários sobre a decadência da cultura ocidental e consequente morte das artes, e também em... [censurado] Em suma, em toda a raça de mentes a-criativas, frustradas e inadaptadas, que ninguém quer ler/ver/conhecer. Se é sobre arte, que seja sobre nada;
  • Sou consideravelmente mais inteligente do que as pessoas consideravelmente inteligentes, e tendo em conta que acho o ego um acessório imprescindível nos dias que correm, manifesto-o descaradamente sempre que me apetece e que a saúde o permite;
  • Adoro manifestos;
  • Simpatizo com os freaks do djambé que ainda parasitam ali para os lados do Miradouro de Santa Catarina, pela perseverança porosa e pelos casacos de lã que insistem em manter como fashion statement;
  • Não diria que tenho ideias de esquerda. Diria que tenho ideias. A maior parte delas nada vagas;
  • Não tenho grande consciência política. Na verdade, pergunto-me se tenho consciência, ponto;
  • Confio plenamente nas capacidades regeneradoras do amor (em todos os seus sentidos filosóficos) e do sexo (idem) — sou vaidoso e tenho um problema com os 25. Admiti-o publicamente no passado mês de Novermbro de 2003, no Teatro Taborda, através do espectáculo Saudades Do Tempo Em Que Se Dizia Texto;
  • Comer dá-me tusa;
  • Escrever mails enfada-me;
  • Sou espalhafatoso por vocação e perdulário por vocação; sou muito poucas coisas por opção;
  • Tenho uma capacidade de concentração de 1 minuto mas consigo prestar a mesma atenção a dezenas de coisas ao mesmo tempo, o que dá uma margem de opção acima da média;
  • Não, não tenho a mania que sou engraçado, mas tenho muitas outras manias que têm dado performances curiosas; daquelas passíveis de serem analisadas com fulgor apocalíptico pelos tais cromos do cepticismo pós-moderno;
  • Chamo-me Rogério, 26 anos, solteiro, amigo de muito pouca gente, trabalhador que se cansa vezes sem conta, homem do circo, provocador activo, generoso e um bocadinho atrasado mental, amante de chocolate com sexo, saúde frágil e inquietação crónica.

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