quinta-feira, julho 05, 2007

projecto de documentação.

RUI RIBEIRO
Colaborador #7 



Cher Roger, tempo para uma primeira reacção às tuas imagens e ao todo do desafio em si. Como sempre, serei totalmente sincero, quiçá violento, mas sem descurar a devida ternura... Ao digitalizar as tuas imagens (tenho optado por capturar K7's quase inteiras, pois elas estão cheias de timecode breaks e coisas do género, o que torna tecnicamente pouco prático estar a escolher pequenas porções) tenho ficado decepcionado, enquanto "artista"/"autista" cinematográfico, com a qualidade das imagens, técnica e esteticamente falando. Isto não é necessariamente mau. Obriga-me a mudar de escala, de rumo, de compasso. Faz-me lembrar uma pequena análise do George Steiner a um verso de Paul Celan: "A língua a norte do futuro". Dizia o Steiner, e muito bem, que a partir deste momento, era a nossa própria noção de norte que teria de ser modificada. Ora bem, também o teu projecto e as tuas imagens me estão a obrigar a modificar a perspectiva, o que é bom, muito bom. Lembro-te que eu faço modestamente parte do pequeno grupo de pessoas que tem das imagens uma concepção sagrada ou religiosa. Para mim, a imagem é uma criação NOVA a partir da OBSERVAÇÃO de uma realidade CONCRETA, e nunca o mero registo "técnico" e "criativo" de algo que já existe e, principalmente, de algo que já VIMOS. Deixemos o glorioso e proveitoso reino do imediato para os turistas e, já agora, para os artistas visuais... Dito isto, deixa-me ser já, aqui, agora, directo: não existe em nenhum sítio das tuas K7's um "documentário". Nem pensar. Ponto final, esquece. O que existe sim, julgo eu, é a matéria bruta adequada para o teu pequeno-grande esquema conceptual, que, devidamente enquadrado e defendido por um catálogo que imagino (sinceramente) brilhante, pode tornar-se numa pequena jóia subversiva de "registo audiovisual". Estás a entender? Quero eu dizer que os blocos (associados ao questionário) são uma ideia muito mais interessante, nova, radical e adequada do que um documentário frustre, bem feitinho, bem montadinho e cheiinho de boa vontade, iniciativa ou mesmo, valha-nos deus, "empreendedorismo"... De novo, deixemos essas qualidades, tão pós-modernas e sofisticadas, para os wunderkinds que abundam na nossa praça... Então, parece-me que o meu trabalho será essencialmente o de, com um olhar fresco, mão segura no corte e moderada paciência, ir encontrando o caminho mais interessante dentro do teu esquema, seguindo o teu mapa e, em tua "casa", na minha ou entre as duas, CRIAR um novo enquadramento de um novo "ESPECTÁCULO", dos muitos que calculo que o teu catálogo proponha. Pois não acredito que o teu projecto seja de documentação verdadeiramente dita, mas mais de prospecção a partir de documentos. É isto verdade, mentira? Não sei. Era bonito que também o teu trabalho se colocasse a norte do futuro... Concluo esta minha primeira e deliberadamente confusa reacção: tenho todo o prazer em colaborar contigo neste projecto, que, ao decepcionar-me e frustar-me constantemente, me obriga a ser NOVO o suficiente, para me tornar mais forte, mais claro, mais uno, mais tudo. Cela s'appelle l'aurore? Abraço, Rui



Imagens:

1. Circo! (documentário, 2004, de Rui Ribeiro);
2. Gigantic (vídeo para o espectáculo Subwoofer, 2006, de Sónia Baptista);
3. No Caminho (imagens de arquivo da performance com o mesmo nome, 2005, de Rogério Nuno Costa.


Adenda, em resposta:

Cher rui, absolutamente nada a acrescentar. Estás completamente dentro do espírito do meu projecto, que se chama "de documentação" apenas e só por comodismo lexical; tal como a ideia de "catálogo" (que não o é) e a de "documentário" (idem), que existem a um nível inicial como meros indicadores de intenções (as leituras institucionais, políticas, sociais, etc., estão lá e não são inocentes, claro). Este teu mail é a prova mais-que-perfeita que és tu a pessoa certa para agarrar nesse material e dar-lhe a dimensão que este projecto (que é um "projecto artístico", ainda que "documental") exige e merece. Obrigado pela tua sinceridade, só possível pela inteligência que assiste à tua visão. Rogério