domingo, abril 15, 2007

voxpop, #14.

NA 2.ª PESSOA DO SINGULAR
Ou: de um grande ego para um ego grande

por Guilherme Ferreira


Nunca sei como começar o que quer que seja… Dizem-me sempre que comece pelo princípio, e como tal será por ele que vou começar. Conhecemo-nos em Setembro de 2005, após um série de mails trocados. Descobrimos pelos respectivos blogs que frequentávamos a mesma faculdade: um mero (e para mim, feliz) acaso. Nesses mails falámos essencialmente do teu trabalho – eu sentia-me deveras curioso em conhecer de perto algo que entrava em conflito com uma série de preceitos antropológicos, com os quais tinha convivido nos últimos 3 anos, nomeadamente os que respeitavam à ética. Objectos artísticos eram coisa sobre a qual me debruçava parcamente nesse tempo, e parece que foi há tanto tempo. Lembro-me que andei num estado mental perto do bipolar durante uns tempos, mais ou menos até à primeira performance a que assisti e em que participei: a segunda parte do Vou A Tua Casa — No Caminho. Lia o teu blog insistentemente; lembro-me que retrocedi mais ou menos uns seis meses ou mais nos posts; tentava perceber como funcionava o projecto, perceber como era possível alguém viver dentro daquilo que eu achava ser uma imensa peça de teatro. Na altura, performance era um conceito estranho para mim, e era-me difícil concebê-la como tu a fazias. Foste tu quem decidiu quando e onde começava a performance, e eu limitei-me a seguir as instruções (por vezes, deveras contrariado!). Conhecemo-nos pessoalmente numa tarde de Setembro, no Centro de Informática, e uns dias depois combinaste irmos beber café, lugar onde decorreria a performance. A coisa correu... bem ou mal, não sabia dizer na altura. Ainda guardo o papel que me deixaste no final: “Mesmo sendo verdade, vais achar sempre que estou a representar”. Não me lembro bem como ou porquê, mas decidi que, não compreendendo o que era isso da performance, iria trabalhar sobre ela quando tivesse oportunidade. E a mesma surgiu no decorrer de semanas, quando me foi pedido um trabalho de tema livre em que fosse utilizado um qualquer tipo de "entrevista" de carácter antropológico. O ensaio chamou-se “Mesmo sendo verdade vais achar sempre que estou a representar”. Antes do final do ano, assisti a mais um espectáculo, desta feita da série FUI. Durante o ano seguinte (é-me difícil distingui-lo por fases, semestres, trimestres, o que seja...) tentei seguir-te, no teu percurso e no teu pensamento. Estive em Braga, no Museu dos Biscainhos, onde estava instalada uma outra performance da série FUI; assisti a mais dois espectáculos da mesma série (já em Lisboa) e, perto do Verão – se a memória não me falha –, fui convidado por 4 alunas do curso de Comunicação Social, que possuíam o mesmo interesse fervoroso pelo teu trabalho, a participar num documentário sobre o Vou A Tua Casa. Fiz mais dois trabalhos sobre performance, nesse ano. Um deles figurou, em parte, e com grande prazer meu, no teu blog. Era como uma espécie de reconhecimento para mim: eras (e ainda és) o meu professor. Antes do fim do ano, consegui ainda assistir à última parte do projecto: Lado C. Lembro-me que lá pelo meio havia uma referência a algo escrito por mim… Sempre tiveste o dom de me deixar... “coiso”. Lembro-me também que estava extremamente inquieto e aterrado. Havia qualquer coisa de muito familiar naquela sala, naquela casa, naquele lanche – era só uma sala de uma casa onde se lanchava – que nem eu percebi o que era. O desconfortável deu lugar ao confortável, o medo deu lugar à segurança: eram 6 ou 7 elementos de uma família, ou algo que muito se assemelhava a... Fomos ao teatro, almoçámos juntos, bebemos cafés, eu fumei muitos cigarros. Decidi que a produção artística seria a minha área de análise primordial: escolhi disciplinas da área, inscrevi-me no seminário de final de curso, do qual resultará (se a levar a bom porto) a tese que escolhi escrever. É a minha batalha… Outro dia, sentado no banco do metro, pensava que raio iria escrever para ti; subitamente, apercebi-me do que queria dizer, para mim: life-zone! Depois de ter “tropeçado” no teu trabalho enquanto artista, e de ter decidido escrever sobre ele (e invariavelmente sobre ti), vi-me obrigado a libertar-me de uma série de categorias conceptuais, pelo simples facto de que não eram operatórias; pior: não me deixavam ver aquilo que pretendia. Disse em cima que parecia ter passado muito tempo desde que te conheci (e sim, é-me difícil dissociar o que fazes de ti, porque vos conheci em simultâneo) – não sei se pode considerar-se uma imensidão de tempo, mas pode considerar-se uma quantidade considerável de pensamento, que me fez crescer, e que mudou a minha maneira de ver uma série de coisas e me despertou para uma outra série delas. A minha batalha é-o por tua causa, porque também tiveste a tua. Disseste-me na entrevista que a performance era algo exterior a ti… Não sou performer, nunca o vou ser (não me está no sangue!), mas sei de alguma maneira que é lá que estou também – essa é a minha life-zone, este lugar cá fora, o lugar para onde fui puxado e de onde não quis mais sair. Vou terminar de uma forma pouco original, mas que considero válida (ainda), e espero poder considerá-la assim durante muito tempo:

“O Rogério faz coisas que metem medo. O Rogério faz coisas que nos podem comover. O Rogério faz coisas muito bonitas. Já ouvi dizer que também faz porcaria. Ele faz muitas coisas com o esforço de quem não faz nada. Mas o que eu acho que ele faz mesmo... (pausa) ele vive.” [entrevista de Vera Moutinho, Catarina Santana, Rita Henriques & Marta Pais Lopes a Guilherme Ferreira, in "Vou A Tua Casa [documentário]", Escola Superior de Comunicação Social]



Guilherme Ferreira, antropólogo
22 de Março de 2007, 01:37