João Madeira
Foi-me colocado o desafio por um amigo. Não te conhecia, mas estava relativamente familiarizado com o teu trabalho. “Desafio”, entenda-se, para quem encara a realidade de forma irremediavelmente solipsista. Este foi um acto isolado, até à data. Muni-me de ânimo leve para ser conduzido (ou conduzir-me?) a quebrar os moldes de um quotidiano céptico e escrupulosamente controlado. Poderia, quando muito, entrar nalgum tipo de manipulação jovial... Em vez disso, deparei-me com um observador algo críptico mas muito determinado. Percebi que o percurso que nos propúnhamos não se iria pautar pela previsibilidade e que qualquer ideia feita cairia por terra. De repente ali estava eu, cavaleiro teutónico apeado, sem arma de recurso. Expus-me despropositadamente, investi na sinceridade (talvez contra ela, em determinados momentos), calibrei os meus gestos à medida do que achava ser conveniente, sem nunca encontrar o tom certo. Não porque os momentos fossem átonos. Pelo contrário, estava eu a falar alto demais, a pensar alto demais, a agir alto demais. Só tarde percebi que não se tratava de um passeio peripatético. Encontrava-me já demasiado encorreado para admitir que, no meu caso, se tratava de silêncio e de aceitação. Tratava-se de perceber que o auto-controlo é proporcional às expectativas que construímos. O domínio sobre a nossa percepção dos outros e dos espaços que nos rodeiam é um desígnio inútil. Foi uma experiência interessante e dolorosa de descentração. Até pelos locais escolhidos ou encontrados – pontos cardinais (mas até então afastados) da minha vivência feliz em Lisboa. Disso, porém, só me apercebi mais tarde. Na altura só via reflexos intransigentes das minhas inquietações, destacados dos cenários. Senti frio, mas agradeço teres puxado o edredon. O frio desperta.
João Madeira, 34 anos, publicitário