domingo, outubro 15, 2006

diário-residente.

SEGUNDA SEMANA


Em Lisboa, só tive tempo para lavar a roupa e pôr-me a andar, no dia seguinte, via Alfa Pendular, para o Porto, ao meu lado, a Mónica Guerreiro, chegados ao porto vamos ter ao sítio combinado com o Nuno para termos a reunião há tanto tempo adiada, o sistema era em self-service, mas eu e a Mónica baralhamo-nos todos e trocámos os pratos e fomos advertidos pelo senhor do restaurante e embaraçamo-nos e rimo-nos e comemos, foi complicado perceber o que se passava com o telemóvel do Nuno, mas ele lá apareceu, e conversámos tudo o que havia para conversar a tempo da Mónica ir ver um espectáculo e eu ir ver a Teresa, ideias, livro, cadernos, papéis, fotografias, termos técnicos que não me lembro, páginas, traduções, cores, tamanhos, gráficas, contactos, datas, e um poster desdobrável que me deixou todo excitado, no fim separamo-nos os três, encontrei-me com a Teresa e falámos no café do Rivoli, da Maria Lemos, convidada da Teresa, da correspondência, da performance que vamos fazer os três em Novembro, do aniversário da minha mãe, que fez anos no dia 5 e eu não estive, é por isso que me despeço da Teresa, compro a prenda e apanho o regional até Braga, espera-me o meu pai, o meu irmão e os frangos de churrasco do restaurante A Minhota, lá ao pé de casa, a mãe chega entretanto do passeio organizado pelo coro da Igreja, no dia seguinte, ofereço-lhe a prenda e vou a correr apanhar o autocarro novamente até Braga, depois o regional até ao Porto, depois uma hora na estação à espera do Alfa até Coimbra, nos entretantos vou fotografando tudo pois estou em performance, é verdade, descobri hoje, depois de ter dado a prenda à mãe, que estou em performance, mas a pessoa que está à minha espera em Coimbra não sabe nada disto e pensa que é outra coisa, pode isto ser uma 'coisa-performance', se não há um compromisso (leia-se: coisa a dois), pode, ponto de interrogação, pago 35 euros por duas viagens, uma Porto-Coimbra, a outra Coimbra-Lisboa, pouco mais que uma hora em Coimbra com um espectador com quem já estive pouco mais que um minuto na estação de Coimbra-B, penso no próximo passo matemático a dar, ele não sei em que pensa, fotografo a viagem Coimbra-Cidade/Coimbra-B e envio-lhe uma MMS, chego a Lisboa com vontade de escrever 30 cartas, mas não escrevo nenhuma, no dia seguinte vou para Torres Vedras com 30 quilos de peso em adereços para a instalação, e no dia seguinte vou para as Caldas da Rainha, cheio de nervos nos cornos por causa da semana que vou ter com 5 horas de aulas e dois espectáculos por dia, são coisas que estão a surpreender este trabalho de uma forma absolutamente arrasadora, Braga e Caldas obrigaram-me a uma reformulação profunda de certas práticas e de certas teorias, coisa que não esperava que acontecesse ao longo deste processo de documentação, os espectáculos que fiz não cabem em nenhuma das tipologias de espectáculo por mim já conhecidas, tive que inventar novas, muitas, quase uma por espectáculo, mas isto também não interessa para nada, é que depois as voltas da vida trocam e baldrocam cada vez mais as voltas das performances, sobretudo as pessoas da vida, e as pessoas das performances, ando a ser bombardeado de pessoas, pEsSoAs, PeSsOaS, PESsoAS, PESSOAS!, que me desafiam a fazer as coisas de outra maneira, que se assumem detentoras de todo o poder para mudar o curso de tudo, desde que decidem ver até ao mais infinito, de resto, espectadores atentos, inteligentes, críticos, audazes, capazes e, acima de tudo, disponíveis, mais à frente, os meus alunos do seminário são fantásticos, odeio apresentações finais, voltei para Torres Vedras de comboio com o fundo das costas a doer de tanta pressão, mas o coração a transbordar de alegria, no dia seguinte, aborta-se a montagem e abertura da instalação, pois as obras, apesar de prontas, atrasaram as limpezas, e agora eu não posso ir lá para baixo inalar os vapores dos produtos senão morro, fico cá em cima a despachar mails e a rabiscar listas de coisas para fazer, no final da tarde consigo descer e deixar espalhada no espaço uma primeira organização muito embrionária, antes de apanhar o autocarro para Lisboa, ainda me dizem novamente que me querem para noivo, e também me dizem que me querem numa performance sem espectadores, uma performance feita de cheiros e de presenças fugazes, talvez, num quarto vazio à espera de alguém, os progressos disto, brevemente.