PRIMEIRAS IDEIAS
Um actor prepara-se para se apresentar. Não espera que o venham ver. Vai ele próprio ao encontro daqueles que o esperam, embora nunca se tenha apercebido (ou não tenha querido aperceber-se), dessa espécie de urgência preguiçosa de alguém que precisa do outro, mas que não se mexe para o ir buscar. Todos os dias alguém lhe vai telefonar, marcar-lhe a hora, confirmar-lhe o nome da rua, o número da porta, o andar. O actor deslocar-se-á até esse espaço teatralmente imprevisível (imprevisto) que é a casa do espectador. Aí ele porá em prática aquilo que preparou na solidão da sua própria casa, confrontando duas arquitecturas pessoais supostamente diferentes, para lhes encontrar as simpatias comuns, ou então para lhes detectar as mais profundas diferenças. Na sua acção, mas também na sua intenção, "Vou A Tua Casa" não é propriamente um espectáculo, apresentando-se mais como uma proposta performativa que tem por objectivo primeiro a intervenção directa numa realidade urbana específica. O intérprete visita a casa do próprio espectador, trabalhando num espaço que é diferente todos os dias. Trata-se mais de uma aventura artística (teatral), em constante fuga do espaço e do tempo, do que propriamente uma assumida abolição dos convencionalismos mais básicos no que à relação artista/espectador diz respeito.
"Vou A Tua Casa" é uma busca urbana e solitária de emoções, onde um actor trabalha na solidão de uma cidade, mas não para a solidão, antes para a cidade. Ao quebrar com a convenção de “espectáculo” tido num sentido de acontecimento com local e hora marcada (ao qual o público tem que se submeter), a intervenção acaba por questionar a própria ideia de ir a casa de alguém. O intérprete cria em tempo real uma espécie de “nova realidade”, submetendo-se ao tempo e ao espaço propostos pelo público, mas dando-lhes uma nova roupagem. Esta realidade paralela co-existe (em constante confronto, muitas vezes desordem) com a realidade quotidiana de cada espectador. Trata-se, no fundo, da intromissão de uma realidade artística na realidade quotidiana e vivencial do espectador, que a recebe de livre e espontânea vontade. E o que é que o espectador recebe? Um homem historicamente descaracterizado, acabado de chegar de um qualquer sítio esfumado no próprio tempo, e que entra em casa como se regressasse à sua terra natal depois de um quarto de século perdido em consecutivas viagens. “Está tudo tão diferente e simultaneamente parece que nada mudou”. É que também as casas parecem todas iguais, o que muda é a maneira como olhamos para elas.
[Análise ao espectáculo aqui.]