quinta-feira, outubro 20, 2011

projecto de documentação.

TEASER #06


Porque o mais importante é a pergunta
[DEBATE]


Em Setembro de 2007 realizou-se em casa de Mónica Guerreiro, e sem a presença de Rogério Nuno Costa, um debate em torno de várias problemáticas caras à trilogia Vou A Tua Casa; para além de Mónica Guerreiro, que moderou, estiveram presentes os críticos de teatro João Carneiro e Ana Pais, os actores Cláudia Jardim e André e. Teodósio, a bailarina e coreógrafa Beatriz Cantinho, a socióloga e investigadora Cláudia Madeira, e a actriz e crítica de teatro Natacha Paulino. Mónica Guerreiro foi espectadora das três partes da trilogia e observadora de Lado C; João Carneiro foi espectador de Lado A e Lado C, tendo publicado críticas aos dois espectáculos; Ana Pais foi espectadora de Lado C; Cláudia Jardim foi espectadora de Lado A e participou na fase inicial de pesquisa para o Lado B, juntamente com Rogério Nuno Costa e o actor Victor Gonçalves; André e. Teodósio foi espectador e artista convidado de Lado C; Beatriz Cantinho foi espectadora de Lado A e artista convidada de Lado C; Cláudia Madeira foi espectadora das fases experimental (2005) e oficial (2006) de Lado C e escreveu sobre toda a trilogia; Natacha Paulino foi espectadora de Lado B, cobaia e espectadora das duas fases de Lado C, e publicou críticas sobre essas duas experiências.




Um excerto para cada orador:


Cláudia Madeira
Ver uma peça do Rogério é como “comprar” uma experiência. Comprar uma experiência diferente. Como quando vamos comprar uns ténis mais excêntricos ou fazer um corte de cabelo insólito. E nós hoje temos cada vez mais necessidade de comprar experiências novas. Lembro-me que ele me falou da segunda parte do espectáculo (Lado B), no qual os espectadores escolhiam um sítio, e lembro-me que um dos espectadores escolheu um bar de prostitutas. Eu gostava de perceber o seguinte: porquê fazer um espectáculo num sítio que é já em si um espectáculo? [...]

João Carneiro
Acho interessante este tipo de experiência em que é possível existir ou não existir qualquer coisa parecida com um espectáculo e em que isso se desfaz por efeito, justamente, de uma grande proximidade entre quem faz e quem recebe. No caso destes espectáculos, continuo a achar muito interessante a ideia, mas continuo a ter muitas dúvidas sobre aquilo que se passou, porque não estou nada interessado na biografia do Rogério, como geralmente não estou nada interessado na biografia de ninguém. Eu posso virar isto ao contrário e dizer: ele está a afirmar, e eu não estou a querer perceber, que tudo na vida pode eventualmente ser transformado em espectáculo. Mas isso é uma banalidade de todo o tamanho! [...]

Beatriz Cantinho
Eu senti que há um discurso que me surpreende e que me prende, mas que depois é tão nuclear que deixa de me interessar. Mas eu acho que não houve só um – esse nuclear –, acho que houve outro. Há um discurso do Rogério que é interessante e prende-me, porque são experiências várias, íntimas, que são partilháveis, quase como dádivas, e eu sinto-me bem em recebê-las. [...]

Natacha Paulino
[...] Depois, claro, caiu-me tudo em cima: o que é espectáculo?, o que é teatro?, o que não é? Depois disso tive várias conversas com ele e escrevi dois textos sobre os seus trabalhos. Até porque ele quer sempre pôr estas coisas todas na mesa, em avaliação, levando-te a pensar, ou a repensar, os conceitos de espectáculo, performance, vida real… E tu tentas procurar fronteiras para te situares, por uma questão de segurança. Mas a verdade é que o meu Lado B foi único, não se pode repetir com mais ninguém. [...]

Mónica Guerreiro
Portanto, tudo isso eram coisas emanadas da vida real. E o potencial performativo vem desse prazer real, dessa coisa que se sente realmente… Ou seja, ele quer sempre perseguir temas, motivos e obsessões que já fazem parte da vida de qualquer pessoa. Mas como é que ele transforma depois isso em matéria de espectáculo, sem que o espectáculo deixe de ser uma coisa construída, e continuando sempre a ser uma coisa com ele e sobre ele? [...]

Ana Pais
Para mim, o espectáculo levanta fundamentalmente a questão do encontro, relativamente àquilo que nós imaginamos e temos por tradição ser o teatro, que é um espaço físico mas também um espaço social e público, por oposição à casa como espaço íntimo e privado. A questão do encontro parece-me muito importante, tendo em conta que ele acontece por convite. O que considero interessante questionar em relação ao Lado C é se ele se designa, precisamente, por espectáculo. O contraste entre espaço público e privado, que cria um espaço de encontro com o outro, suscita uma relação com o público que se deseja, no mínimo, diferente; relativamente à minha experiência, o Lado C lança para a mesa uma expressão que é a “experiência do insólito”. Os dois universos contrastantes, público e privado, provocam essa experiência. E essa estranheza, que me parece estar inerente ao projecto, é um dos aspectos mais interessantes. [...]

Cláudia Jardim
A partir do momento em que ele nos coloca tantas dúvidas sobre se é ou não espectáculo, e quando ele frisa, no próprio espectáculo, que aquilo é um espectáculo, então isso já quer dizer alguma coisa. [...]

André e. Teodósio
Por isso é que ele chama teatro. Quer dizer, o teatro é o sítio onde tu vês qualquer coisa. Tu estás ali para ver. Não é a “Passagem do Terror”. A tua condição ali é ver. Logo, é teatro, não é outra coisa. Havia aquele movimento na Alemanha dos anos 40, em que iam todos para a rua e faziam peças todos juntos… Não é nada disso! É teatro. Quando tu compras o livro do Foucault e lês o título O Que É A Filososofia?, é uma pergunta, não é? Mas tu não respondes ao livro. Tu compras o livro e lês. Pronto, é isso. [...]


Mais um teaser que antecede a pré-publicação online e parcial de Vou A Tua Casa/Projecto de Documentação [livro e vídeo-documentário] num website que será disponibilizado até ao final do mês de Outubro. A seguir!