quinta-feira, março 16, 2006

press.

QUALQUER COISA DE INTERMÉDIO
DIF, Dezembro 2005


por Tiago Bartolomeu Costa
(crítico de artes performativas)


Rogério Nuno Costa cria espectáculos desde 2002, num percurso marginal, nem sempre possível de contextualizar, mas atento aos modos e modelos com que a geração a que pertence vai marcando o seu lugar na cena performativa. Do conjunto do seu trabalho já disseram tratar-se de um exercício de mutilação, de uma oferenda para o público, de inscrição do corpo e do espaço na memória colectiva, de um processo de descoberta, de um trilhar de caminhos menos óbvios… No fundo, de um trabalho que pensa a sua importância, sendo consciente de que essa importância é legitimada/validada a partir do momento em que responde a uma urgência de compreensão do lugar do criador, do espectáculo e, claro, do espectador. Ausente de uma noção de funcionalidade/utilidade do espectáculo, está mais preocupado com o ‘agora’, sendo que o ‘agora’ é o momento que vai desde que é tomada a decisão de ver um espectáculo até que este deixa de existir na memória do espectador (deixará, de facto?). Para Rogério Nuno Costa, teatro e vida confundem-se, não no sentido demagógico do termo, mas enquanto tese para compreender melhor quer o teatro quer a vida. A sua e aquela que o rodeia. Na verdade, chamar teatro àquilo que este criador faz é só uma questão de forma. Porque, de facto, o que ele nos oferece está mais perto de um quotidiano que da distância ficcional que o teatro normalmente impõe. Como um presente para ser desembrulhado a dois, procura-se aqui perceber que efeito tem a criação no quotidiano, e em que medida não é ficção tudo aquilo que queremos perpetuar. O teatro, sendo uma arte efémera, depende de um processo de ilusão. Fazer do momento de criação ‘o tempo todo’. O único que existe. Ao utilizar objectos do dia-a-dia para as suas performances, Rogério vai construindo mini-ficções a que dá o nome de momentos da vida. Da sua e daqueles que assistem/participam. Para ele, faz tanto sentido continuar a viver dentro dos espectáculos, que se recusa a criar fronteiras entre si e a persona que o espectador acredita estar a ver (ou quer ver, convenções performáticas oblige). É por isso que para este performer tudo o que acontece na vida é relevante. Porque é material de trabalho. Porque é o trabalho. Porque é a vida. A roupa que veste, as músicas que ouve, os livros que lê, as pessoas que conhece, tudo aquilo que recusa… Trata-se de perceber até onde vai a vida dentro da ficção. Se, de facto, paramos de viver quando assistimos a uma representação. Até onde podemos ir na ficcionalização de uma realidade? Quem estabelece as fronteiras entre realidade e falsidade? É falso tudo aquilo a que se chama teatro? É mais falso o teatro ou a vida? Organizando-se em espectáculos seminais, o que se promove é um diálogo entre a criação e a inspiração, tentando perceber de que modo uma contamina a outra. Mas também num processo de investigação que, mais do que o teatro, põe em causa o criador. Para sempre.