terça-feira, agosto 16, 2005

diário.

ENCONTRO COMIGO PRÓPRIO
16 de Junho de 2005


Leio: um texto brilhante do Thierry de Duve sobre a problemática do readymade e a sua maior ou menor modernidade. O Duchamp, a minha sanita transformada numa fonte, objectos datados, a minha data de nascimento espetada na testa, pó dos móveis atirado para cima de telas em branco, sprayadas depois com cola adesiva, o Duchamp dentro da minha sanita, o Duchamp na coluna do lado, eu na coluna de dentro. Leio a seguir: um texto brilhante da Gabriela Vaz-Pinheiro sobre a diferença por demais óbvia entre um certo de tipo de arte digamos que objectual, e um outro certo tipo de arte digamos que residual. A evidência por demais óbvia que resíduos são coisas difíceis de meter para dentro de um DVD muito bem arranjadinho e despachado em correio azul para os festivais da moda. Leio ainda: ou melhor, releio, o texto que o Luís Firmo me enviou há tempos, onde entre muitas coisas fala de participação. E fico preso à expressão “cultura da assinatura”. Páro de ler e pergunto-me, pela primeira vez: que faço eu para que aquilo que faço seja singular? Respondo-me:

Rogério, tu não persegues as grandes causas, tu não gostas de tornar teus os grandes textos, as magnas sabedorias, os sábios ensinamentos. Na verdade, tens medo disso tudo. Pelo contrário, tens uma tendência atroz para confiar mais na filosofia imanente à tua própria existência, seja ela mais ou menos singular, mais ou menos exemplar, do que no Thierry de Duve. Não tens nada para dizer como artista, o que não invalida que o sejas. Numa altura (País?) em que ainda parece ser urgente falar-se em disciplinas (e não falo academicamente...) parece-te justo catalogares-te como não-artista. Para que não restem dúvidas, e mesmo que isto te pareça deslocado, não podes deixar de admitir esta tua não-catalogação como o teu primeiro (na verdade o teu único) grande Dogma. 



©José Luís Neves